Açucena

Açucena

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Mar e Sertão (Maria Gonçalves Ibanhes)


 

Eu que tinha atravessado

Todos os desertos

E visto o mar em sonhos

Alcançados com o desejo

Da alma

Um dia te vi

E o vermelho fogo

E alaranjado

Das terras quentes se dissiparam

E do meu olhar verde-cinza

Saltitaram chamas de luz

O sertão tinha virado mar

Mas eu ainda não sabia

Depois de ter visto os teus olhos

Acordei e a manhã florescia

A terra estava húmida

Com a humidade do meu corpo

Que já não era deserto nem só

Talvez eu tivesse morrido

E morrer era a melhor coisa do Mundo

Mas foi só tocares meus lábios

Percebi que estava em transe

Que os desertos ainda estavam

Em nossa volta

E o mar era só uma versão deles

Mas a diferença é que agora

Você estava ali

E se houvesse alguma travessia

Desértica ou marítima

Atravessaríamos segurando nossas mãos

Fitando o universo que habita

O olhar de cada um de nós

Universos particulares

Mas, ao mesmo tempo, tão cheios de intersecções

Um com o outro

Foram as intersecções

Que uniram mar e sertão

E são elas nossos elos

Para a eternidade

E são elas nossas fronteiras

E nosso apogeu

E são elas o nosso reverso

O nosso verso

A nossa vontade de continuar

Compartilhando as magias

Dos universos em nosso olhar

 



Se me levasses em Viagem ao Fim da Noite (Maria Gonçalves Ibanhes)







... Se me levasses em Viagem ao Fim da Noite

Não seria para encontrar chacais

Nem ver a guerra destroçando o mundo

Eu sei.

... Não me engano. Viajaríamos em nuvens

Cruzando os oceanos

E seria a lua nosso farol

E os ventos nossa bússola

Nenhuma euforia nos causa a guerra

Somos aves ciganas em busca do infinito

Por isso, eu sei

Nosso itinerário seria em busca de luz

Me levarias aos jardins desérticos

Onde a beleza é inesperada

E há, no horizonte, a confirmação

Da existência de Deus

... Eu sei.

Se me levasses em viagem ao fim da noite

Com a palma da mão, eu pegaria

O início de um novo amanhecer

... As cidades dormem

A espera daqueles que tecerão a paz

Eu sei.

Por enquanto, transformo em pérolas

As contas do meu colar

E acrescento um ponto ao conto

Que ameaça se dispersar na espessa bruma ...

domingo, 25 de outubro de 2015

Um poema (Maria G. de Ibanhes


Eram só eu
A lua
Um céu estrelado
O farfalhar do sertão
O calor morno
E a vontade da tua língua na minha
Com gosto de tapioca doce
Os corpos em leve açoite
O vento...
O cheiro de terra molhada
Melhor perfume do sertão
E tu na rede
Deleite da imaginação
Não era sonho
Era aluvião
Inundando os meus desertos
Era uma doida vontade
De te ter à luz do candeeiro
Iluminando meu rosto
Na noite escura
Olhos faiscantes
Mais luzentes que as chamas
E mais brilhantes que as estelas
Era um louco desejo
De sermos um só sertão
E atravessarmos juntos
Todas as travessias
“Riobaldearmos” as ventanias
Engabelarmos juntos os destinos
Mal traçados
Afastarmos qualquer melancolia
Era sou eu te esperando
Trançando sonhos
Costurando memórias
O sertão é vazão de fantasia...

Mãe com o Filho Morto (Maria Gonçalves de Ibanhes)


A dor!

O furor da dor

De ter um filho morto!!!

A avalanche:

Dor Imensurável

Dor Impensável  

Dor Incompreensível

A dor maior

Aquela que desatina

Que faz perder o rumo

O norte

O sentido da vida

A dor mais cruel

Mais fortemente dolorida

A dor mais cruelmente

Amalgamada no rosto de uma mulher

Eu vi! De perto

Por duas vezes, aquela dor palpável

Eu tive medo

Eu tive pena

Era impossível medi-la

Mas ela estava lá

Gritando

Naquele rosto

Naquela que estava partida

Visivelmente despedaçada

Eu vi! E só de lembrar

Da face da dor

Eu estremeço, me dói o peito!!!

Deus não devia permitir

Eu nunca mais quero sentir

A dor das outras

Aquela dor tão transparente

Tão violenta, que transborda

E respinga em cada uma de nós que somos mães

A dor daquela

Que teve o filho morto nos braços

A dor daquela que, pra sempre, viverá em pedaços

A dor daquela que traz um deserto no coração

E muitos espinhos dilacerando sua alma

Pra sempre!

Eu nunca mais quero ver!

Nem eu, nem Picasso

Nenhum artista, nenhum poeta

Nenhum deus

Nada, ninguém pode dimensionar

A dor da mãe que teve o filho morto

Ninguém!

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Linhas Imaginárias (Maria G. Ibanhes)


As linhas imaginárias
Des limitam minha vontade
Perco o peso e a medida
Dou corda a agilidade
Vou da festa candelária
Às raves de toda a cidade
Monto o vento
Driblo o tempo
Rompo as margens
E as imagens
Corto as linhas
Faço voos e acrobacias
Desdigo as entrelinhas
Dou asas as fantasias
Atravesso quaisquer fronteiras
Surrupio o teu sotaque
Corrupio ruas e feiras
Compartilho o meu conhaque
Convivo com todas raças
Jogo limpo não tem trapaças
Rezo pra todos os santos
Em mim não pega quebranto
Pois creio em todos credos
No mundo eu me degredo
Assimilo várias culturas
Não ando com armaduras
Dou e recebo influências
Navego nas confluências
Dos mares a os sertões
Passo de pontes a grotões
Nenhuma barreira me barra
Sou livre como a garça
Tenho asas e imaginação
O mundo é minha nação
Nasci sem eira nem beira
Mas vivo no sem-fronteira
Só o que me prende é a paixão
Em mim, manda meu coração


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Mata Branca (Maria Gonçalves Ibanhes)


Na caatinga
No ermo das horas vagas
Ao anoitecer caloroso
Uma brisa morna
Acaricia-me a pele
E cochicha ao ouvido
Lembranças árduas
Sopra  
Memórias hostis
Como uma touceira
De alastrado
Ao longe, mato a dentro
Uma coruja pia
O meu cabelo arrepia
Eu só queria ser
Chuva e terra molhada
Talvez a memória adocicasse
Talvez eu me lembrasse
De tentar esquecer
As fatalidades do destino
Aceitar os descaminhos
Não ser um cacto sozinho
Na imensidão da caatinga
A vida, tantas vezes, me fez
Virar deserto
Me confundo com o sertão
Mas fora os meus espinhos
Cercada da mata branca
Há em mim um oásis
Tem gente que o encontra
De vez em quando...






sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Sonho de Sertanejo (Maria G. Ibanhes


Era de chuva o seu olhar
Mirando o azul infinito
Nuvens vazias no céu
Sol na imensidão
E só era ele
Naquele instante
De luz e tormento
Pastorando as cercanias
Oitivando o seu sertão
Olhar sobranceiro
Vislumbrava sonhos
Que se concretizassem
Na laje de pedra
Que esverdeassem
Os tons amarelo-alaranjados
Da caatinga
Cantiga de sertanejo
Pede chuva e fartura
Sonho, então, é oásis
É água banhando a terra
Lavando a alma
Irrigando as securas
E o verde a sorrir
Nas picadinhas
Nas travessias
Rio corrente - mar de alegrias
Criações saltitantes
Mugido feliz
Dos boizinhos no pasto
As catingueiras bailarinas
Dançando no ar
É querer muito, meu Deus?
A realidade é seca
E espinhosa como os cactos
Que o rodeiam
Triste como o olhar
Dos bichos com fome
Venenosa como a cascavel
Sorrateira
Que sinuosa passa pelos pedregulhos
Ele não quer perder a esperança
Nem blasfemar contra o Criador
Tem os filhos e a mulher
Morena faceira
Cheirosa como uma flor
Precisa ter fé
E salvar a fé dos outros
Vai chover
E o sertão há de florar
Era o que queria acreditar seus olhos




sábado, 19 de setembro de 2015

Des-construção da dor (By Maria G. de Ibanhes)


Às vezes, escurece em sombras
Nossas vidas
E a dor eclipsa toda luz
Então, a alma vagueia
Em busca de um clarão
Tenta encontrar a lua cheia
Teve uma vez
O sofrimento era tanto...
Que me refugiei
Na paisagem de um pintor qualquer
Quadro pendurado
Na parede do quarto de hóspedes
Ali vivi dias...
Ali construí histórias
Revivi doces memórias
Lá, presa na paisagem
Inventava felicidades
Lá, a casa era minha
No meio daquele bosque
Eu era rainha
E tinha ímpetos
De sobrevoar  imensidades
Ali, todos os verbos
Fluíam pro nós
Eu já não era aquele rio de solidão
A terra era fértil
E, no teu abraço
Eu já não era só
Nem fantasma
Nem pó
O riacho, regaço de todas as cantigas
Era nossa sinfonia
Ali vivi
Protegida de tua ausência
Até meus pés perderem o medo
De tocar a realidade


domingo, 9 de agosto de 2015

Saudade, papai! (Maria Gonçalves Ibanhes)


... Tinha um canto de amor
Que acariciava os dias
Havia esculturas de frutas
Que alimentavam as manhãs
Tinha um olhar de carinho
Que me dizia: te amo!
Tinha um abraço quentinho
Que espantava meus medos
Tinha histórias
Que me faziam sonhar
Tinha melodias
Que desenhavam o luar
Tinha um circo, um palhaço
E um mundo de cores
E você me mostrando
Como a vida pode ser divertida
Tinha uma roda gigante
Tinha um carrossel e a magia
Da sua mão guiando
As minhas acrobacias
Tinha um sorriso
Que brincava nos olhos
E me dizia: és linda!
Tinha um murmúrio
Me ensinando a rezar
“Santo anjo do Senhor...”
Tinha uma mão na minha mão
E passos lentos
Me levando à vida
Tinha você, curando minhas dores
Tinha você, cobrindo-me do frio
Tinha você, fazendo meu mingau
Preferido
Tinha você, salvando-me
Das fúrias, dos ventos e dos vendavais
E de repente, não tinha mais você
Nem seu canto, nem seus olhos, nem suas mãos
De repente, tinha um vazio!
Mas, tem em mim um tesouro:
Auto estima e todo o amor que você me deu
E ainda hoje pousa sobre mim
Um olhar esverdeando ternura





sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Agosto (Maria G. Ibanhes)


Ah, esses ventos invernais...
Inverno seco
E poeira no ar ...
Eu já nem me lembro
Do cheiro da chuva
Do ritmo da chuva
Pingando
Fazendo-me dançar
Sonhar
Pela Janela alcanço
Um Dali
É meu olhar
Derretendo cactos
E o relógio
Se fundiu à paisagem
O tempo parou
E eu já não sei quem sou
Talvez, por osmose
Seja um anjo surreal
Que te busca na desolação
Do deserto
Ou, talvez, seja, apenas
A persistência da memória
O sertão tem dessas miragens
E o anjo és tu
Que foste roubado
Da vida
Ficou somente
O “eco morfológico” do teu nome!

terça-feira, 16 de junho de 2015

De bruma, de fúria e de vendavais (Maria G. de Ibanhes)


Eu te queria tanto bem
Mas tu te fostes
Passarinho ferido mortalmente
Teu corpo estendido
Coberto pela manta de brumas
Ao anoitecer
Vida escoando
Para longe da terra seca
Da família e do cão
Sem plumas
E naqueles ventos outonais
Me viestes a memória
Como anjo vingador
Mas tão doce
Tua felicidade com minha presença
Minha tristeza com tua ausência
Minha fúria era um vendaval
Cortando os cactos
Quem os lanhava era eu
Nunca eles a mim
Inconformada com teu desaparecimento
Da pintura do sertão
Agora emoldurado
Pelo vazio da tua falta
Nunca mais colheremos cajus
Nunca mais olharemos o infinito
De cima da pedreira
Nunca mais conversaremos
Olhando as cabras comerem
Nunca mais relembraremos nossa infância
Desenhando no ar nossas travessuras
Nunca mais, nunca mais, nunca mais
É um tempo sem fim!





quinta-feira, 11 de junho de 2015

Sinais Apocalíticos Maria G. Ibanhes


Estamos perdidos
Estamos todos perdidos
E há sangue em nossas mãos
Há sangue em nossos corpos
Não há relva nos campos
Nem pássaros
Nem florestas
Nem rios límpidos
Nem animais
As crianças nascem tortas
E as mulheres perdem seus seios
Não podem amamentar
Há sinais de loucura no ar
Há sinais de revolta dos deuses
Há um grande mistério pra ser decifrado
Mas ninguém sabe ler.  Nada!
Estamos todos cegos
Nas manhãs, a escuridão escoa
E as noites, as trevas não enxergam o luar
Há murmúrios de rezas
Mas são falsas
Há um terror latente, em cada coração
O mar está sempre revolto
Prenúncio de tsunamis!
Há lágrimas molhando os desertos
Mas não servem para fertilizar o solo
Há cactos espinhosos que ferem
Os nossos corpos
Há gemidos de dor por toda a Terra
Mas não há remédio
Há montanhas de alimentos
Todos envenenados!
Há fome de tudo
Principalmente de amor
Há desamor entre os povos
E entre irmãos
E a guerra abriu todas as fronteiras
A peste tem livre acesso
O caos é a rotina dos homens
E meu olhar não suporta
O fim que se aproxima
Em cavalos alados que voam em nossa direção!!!
Somos todos culpados.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Work in progress... (Maria G. Ibanhes)

              

Se essa vida me deixasse fazer poesia
Sem gosto de desespero, sem sabor de agonia...
Se essa vida me deixasse fazer poesia
Afastasse o desalento, quebrasse a monotonia
Se essa vida florescesse e me deixasse fazer poesia
Ignorasse a maldade, pisasse na hipocrisia
Se essa vida me deixasse fazer poesia
Com doçura de amor quentinho e vislumbres de acrobacia...
Se essa vida fosse menos madrasta e mais madrinha...
Se surgisse um raio de sol no final do cinza...
E se um arco-íris surgisse, colorindo o horizonte,
Eu faria um poema com sabor de eternidade
E bonito como o amor que sinto por você...
Profundo como os teus olhos
Suave como o teu sorriso
Talvez, eu espere todo o furacão passar
E reconstrua um Mundo sem lágrimas...
Mas, talvez, eu faça poesia de dor
 E espere o inverno, o ódio, a intolerância, os maus  
O inferno passarem...  Talvez...
E só depois, quando tudo for primavera
Eu escreva aquele poema de amor
Eu já não aguento tanta escuridão!

terça-feira, 12 de maio de 2015

À luz de velas (Maria G.)



Não digo
O que a luz da vela
Revela
Na chama do teu olhar
Que me chama
Pra trama
De sonhos saber tramar
Veloz brincadeira
Pro mundo acordar
Depois, o cansaço do ato
Meu colo
Teu  solo
A te acalentar
E eu, teu sono velo
No veludo escuro
Da noite que não tem luar

terça-feira, 17 de março de 2015

Diálogo com Bukowski Maria G. Ibanhes


Preciso tomar um banho
Para ir ao trabalho
Mas Bukowski não deixa
Me aconselha a pegar
A high way
E depois, as veredas do sertão
Enfrentar os pedregulhos
E arrancar poesia
Das pedras, da terra rachada
Dos espinhos, dos rios secos
Bukowski me disse
Larga mão do job
E vai sonhar com pássaros
E eu, imediatamente
Pensei no galo de campina
E no cancão preso
Na gaiola de minha amiga de infância
Pensei no viveiro de pássaros
Do pai de uma outra amiga
Cheio de canários
E barulho dos mais variados cantos
E as calopsitas da minha mãe?
Andam pela casa em pacífico convívio
Com o gato
“Um gato que não mata pássaro”
Ausência de dor!
A dor chegou de outra forma
Bang!
E atingiu minha alma
E isso é real!
E Bukowski continuou me instigando
A fazer poesia do dia-a-dia
Da minha bio-grafia
Tão sem poesia
Cheia de dor
Fazer fábulas poéticas
E delirantes do meu cotidiano
E eu lhe disse:
Meu único delírio é meu amor
É o amor pelos meus
E isso também causa dor
Porque a dor deles
É também a minha
Perpassa minha escritura
À revelia da minha vontade
Mas essa escritura doente
Dolorida, enferma
Me salva da loucura
Da morte!
Não uso entorpecentes
Nem tenho talento para ser bêbada
Nem vou à casa de Deus
Para aguentar a vida
Deus onipresente
Mergulhou no meu inconsciente
E lá ficou
Não preciso de igreja
Por isso.
Mas não posso largar o job
Não sei morrer de fome
E poesia não compra pão
Compra lua
E imaginação
E afronta o SISTEMA
Afrontar é meu forte
Eu faço poesia no drible
E mando os caretas se foderem!
Bukowski vibrou e disse:
“O poeta nada pode sem sofrimento”
Eis a nossa maldição, pensei eu
Me incluindo entre os poetas
Eu, tão aprendiz!
Mas sabia que a fonte poética
Estava em meu quintal
No meu meio do sertão
E no que a vida me fez.
Entre calangos e pássaros
E nas estórias
Que nunca contei.