Açucena

Açucena

domingo, 25 de outubro de 2015

Um poema (Maria G. de Ibanhes


Eram só eu
A lua
Um céu estrelado
O farfalhar do sertão
O calor morno
E a vontade da tua língua na minha
Com gosto de tapioca doce
Os corpos em leve açoite
O vento...
O cheiro de terra molhada
Melhor perfume do sertão
E tu na rede
Deleite da imaginação
Não era sonho
Era aluvião
Inundando os meus desertos
Era uma doida vontade
De te ter à luz do candeeiro
Iluminando meu rosto
Na noite escura
Olhos faiscantes
Mais luzentes que as chamas
E mais brilhantes que as estelas
Era um louco desejo
De sermos um só sertão
E atravessarmos juntos
Todas as travessias
“Riobaldearmos” as ventanias
Engabelarmos juntos os destinos
Mal traçados
Afastarmos qualquer melancolia
Era sou eu te esperando
Trançando sonhos
Costurando memórias
O sertão é vazão de fantasia...

Mãe com o Filho Morto (Maria Gonçalves de Ibanhes)


A dor!

O furor da dor

De ter um filho morto!!!

A avalanche:

Dor Imensurável

Dor Impensável  

Dor Incompreensível

A dor maior

Aquela que desatina

Que faz perder o rumo

O norte

O sentido da vida

A dor mais cruel

Mais fortemente dolorida

A dor mais cruelmente

Amalgamada no rosto de uma mulher

Eu vi! De perto

Por duas vezes, aquela dor palpável

Eu tive medo

Eu tive pena

Era impossível medi-la

Mas ela estava lá

Gritando

Naquele rosto

Naquela que estava partida

Visivelmente despedaçada

Eu vi! E só de lembrar

Da face da dor

Eu estremeço, me dói o peito!!!

Deus não devia permitir

Eu nunca mais quero sentir

A dor das outras

Aquela dor tão transparente

Tão violenta, que transborda

E respinga em cada uma de nós que somos mães

A dor daquela

Que teve o filho morto nos braços

A dor daquela que, pra sempre, viverá em pedaços

A dor daquela que traz um deserto no coração

E muitos espinhos dilacerando sua alma

Pra sempre!

Eu nunca mais quero ver!

Nem eu, nem Picasso

Nenhum artista, nenhum poeta

Nenhum deus

Nada, ninguém pode dimensionar

A dor da mãe que teve o filho morto

Ninguém!

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Linhas Imaginárias (Maria G. Ibanhes)


As linhas imaginárias
Des limitam minha vontade
Perco o peso e a medida
Dou corda a agilidade
Vou da festa candelária
Às raves de toda a cidade
Monto o vento
Driblo o tempo
Rompo as margens
E as imagens
Corto as linhas
Faço voos e acrobacias
Desdigo as entrelinhas
Dou asas as fantasias
Atravesso quaisquer fronteiras
Surrupio o teu sotaque
Corrupio ruas e feiras
Compartilho o meu conhaque
Convivo com todas raças
Jogo limpo não tem trapaças
Rezo pra todos os santos
Em mim não pega quebranto
Pois creio em todos credos
No mundo eu me degredo
Assimilo várias culturas
Não ando com armaduras
Dou e recebo influências
Navego nas confluências
Dos mares a os sertões
Passo de pontes a grotões
Nenhuma barreira me barra
Sou livre como a garça
Tenho asas e imaginação
O mundo é minha nação
Nasci sem eira nem beira
Mas vivo no sem-fronteira
Só o que me prende é a paixão
Em mim, manda meu coração


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Mata Branca (Maria Gonçalves Ibanhes)


Na caatinga
No ermo das horas vagas
Ao anoitecer caloroso
Uma brisa morna
Acaricia-me a pele
E cochicha ao ouvido
Lembranças árduas
Sopra  
Memórias hostis
Como uma touceira
De alastrado
Ao longe, mato a dentro
Uma coruja pia
O meu cabelo arrepia
Eu só queria ser
Chuva e terra molhada
Talvez a memória adocicasse
Talvez eu me lembrasse
De tentar esquecer
As fatalidades do destino
Aceitar os descaminhos
Não ser um cacto sozinho
Na imensidão da caatinga
A vida, tantas vezes, me fez
Virar deserto
Me confundo com o sertão
Mas fora os meus espinhos
Cercada da mata branca
Há em mim um oásis
Tem gente que o encontra
De vez em quando...






sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Sonho de Sertanejo (Maria G. Ibanhes


Era de chuva o seu olhar
Mirando o azul infinito
Nuvens vazias no céu
Sol na imensidão
E só era ele
Naquele instante
De luz e tormento
Pastorando as cercanias
Oitivando o seu sertão
Olhar sobranceiro
Vislumbrava sonhos
Que se concretizassem
Na laje de pedra
Que esverdeassem
Os tons amarelo-alaranjados
Da caatinga
Cantiga de sertanejo
Pede chuva e fartura
Sonho, então, é oásis
É água banhando a terra
Lavando a alma
Irrigando as securas
E o verde a sorrir
Nas picadinhas
Nas travessias
Rio corrente - mar de alegrias
Criações saltitantes
Mugido feliz
Dos boizinhos no pasto
As catingueiras bailarinas
Dançando no ar
É querer muito, meu Deus?
A realidade é seca
E espinhosa como os cactos
Que o rodeiam
Triste como o olhar
Dos bichos com fome
Venenosa como a cascavel
Sorrateira
Que sinuosa passa pelos pedregulhos
Ele não quer perder a esperança
Nem blasfemar contra o Criador
Tem os filhos e a mulher
Morena faceira
Cheirosa como uma flor
Precisa ter fé
E salvar a fé dos outros
Vai chover
E o sertão há de florar
Era o que queria acreditar seus olhos