Açucena

Açucena

domingo, 12 de dezembro de 2010

LÍLITCHKA! Em lugar de uma carta

             Fumo de tabaco rói o ar.
             O quarto –
             um capítulo do inferno de Krutchônikh.
             Recorda –
             atrás desta janela
             pela primeira vez
             apertei tuas mãos, atônito.
             Hoje te sentas,
             no coração – aço.
             Um dia mais
             e me expulsarás,
             talvez, com zanga.
             No teu hall escuro longamente o braço,
             trêmulo, se recusa a entrar na manga.
             Sairei correndo,
             lançarei meu corpo à rua .
             Transtornado,
             tornado
             louco pelo desespero.
             Não o consintas,
             meu amor, meu bem,
             digamos até logo agora.
             De qualquer forma
             o meu amor
             – duro fardo por certo –
             pesará sobre ti
             onde quer que te encontres.
             Deixa que o fel da mágoa ressentida
             num último grito estronde.
             Quando um boi está morto de trabalho
             ele se vai
             e se deita na água fria.
             Afora o teu amor
             para mim
             não há mar,
             e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
             Quando o elefante cansado quer repouso
             ele jaz como um rei na areia ardente.
             Afora o teu amor
             para mim
             não há sol,
             e eu não sei onde estás e com quem.
             Se ela assim torturasse um poeta,
             ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
             mas a mim
             nenhum som me importa
             afora o som do teu nome que eu adoro.
             E não me lançarei no abismo,
             e não beberei veneno,
             e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
             Afora
             o teu olhar
             nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
             Amanhã esquecerás
             que eu te pus num pedestal,
             que incendiei de amor uma alma livre,
             e os dias vãos – rodopiante carnaval –
             dispersarão as folhas dos meus livros…
             Acaso as folhas secas destes versos
             far-te-ão parar,
             respiração opressa?

             Deixa-me ao menos
             arrelvar numa última carícia
             teu passo que se apressa.
             (Poema de Maiakóvski  - Tradução de Augusto de Campos)

A POESIA É INIMIGA DA IMPERFEIÇÃO?

A poesia é inimiga da imperfeição - Ou não? Não sei! Sei apenas que, há horas, estou aqui tentando engrenar uns versos e, nada... O calor insuportável e a vizinha da frente grita como uma gralha desesperada! A situação não favorece. Só consigo ficar com os grito ecoando na minha cabeça: "guria idiota!" "E agora vai comer o quê?" "Você não ajuda em nada!" "Vou entregá-la para o seu pai!"
Depois de toda essa gritaria, escuto um barulho de faca sendo amolada. Meu Deus, será que ela vao imolar a menina? Sou exagerada! Acho que ela, a vizinha, vai apenas fazer um outro almoço. Fico curiosa para saber o que aconteceu com o anterior. Será que a menina deixou queimar? Derramou toda a comida? Sei não... A única coisa que sei é que não consegui engendrar um único verso. A irritação tomou conta de mim. Não porque a mulher estivesse berrando com as crianças. Entendo que, às vezes, elas, realmente, podem nos tirar do sério. Ah, se podem... Mas sim pela interferência no silêncio do meu domingo, na magia da minha imaginação e em minha não-concentração - É, pois se eu estivesse bem concentrada nada seria capaz de me tirar do foco.
Dessa forma, esse blog, que passei um tempão tentando criar, já nasce avesso ao seu fim, ou seja, postar meus versos enviesados, atravessados e desorientados como eu mesma sou! A culpa é minha por ser tão desconcentrada, mas não vou eximir a culpa da gralhavizinha, pois ela desestabilizou o meu silêncio - Meu silêncio imaginativo! Ela me pertubou com seu cotidiano doméstico, familiar... Lembrou-me da minha solidão. Eu desisti de inventar versos, nessas circunstâncias, pois poderia surgir um monstro ácido. E eu, hoje, quero um poema alegre, de bem com a vida, apesar de todos os pesares que ela nos dá - Eu resolvi ser feliz, à revelia, de todos os desabores - Minha vocação é colocar um toque doce em todos os amargores.
Se, a maioria da vezes, escrevo ocre-cinza-preto, deixo minha acidez nos versos e alargo o sorriso para não manchar meu derredor de tristeza. Mas hoje, não! Hoje, não aceito sequer um verso triste - Hoje eu quero lembrar que antes de toda a algazarra da vizinha, eu estava pensandp na felicidade que me espreita e está bem próxima - Eu estava programando minha semana FELIZ e queria fazer versos que demonstrassem meu estado de espírito - Quem ama nunca está só! Mas a gralha me pontuou com uma interrogação. Por isso, declaro que, minha poesia não está apta a lidar com a imperfeição porque, mesmo para ficar triste, é preciso estar por inteiro - Na perfeição da tristeza - E eu não fiquei triste por completo - A minha expectativa de felicidade borrou a tristeza momentânea e impossibilitou a poesia, que ela fosse alegre ou triste!
rascunho