Açucena

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sábado, 15 de março de 2014

Retrato de um sertanejo (Maria Ibanhes) (Ao meu irmão, Francisco de Assis)


A brisa morna soprava-lhe o rosto carinhosamente
Enquanto ele olhava a caatinga com olhos chuvosos
Se chovesse podia plantar milho, feijão, jerimum, melancia
E ver as criações saltitantes
Agora elas vêm famintas, tocando seus chocalhos
Tristemente.
Ele joga as vagens de algaroba e bodes e cabras
Comem freneticamente.
Para as galinhas joga milho pro outro lado do terreiro
Seus olhos alcançam a imensidão azul
Se chovesse o sertão ficaria mais bonito
O toque dos chocalhos é quase uma canção
Ele coça a cabeça embaixo do chapéu de couro
Tudo é árido e pedregoso, como a vida
Mas existe o verde do mandacaru e da catingueira
Com suas flores amarelas para amenizar
A dureza da pedra. A vida também é assim.
Seus olhos sorriem, a gente tem que lutar
E ter fé – a esperança também é verde
E se em seus pesadelos mais terríveis o sertão
Derretia – formando imagens disformes das cabras
Das vacas e dos galináceos e dele próprio
Como os relógios de Dali
Da li, de onde estava, sentado no batente de pedra
O sonho era outro, chovia e tudo era fartura
E beleza – O sertão não sai de nós
E sertanejo não chora. Passou a mão pelos olhos.
Seus olhos alcançam o infinito
E ele confundia-se com tudo aquilo
Terra, pedras, criações, cactos, caatinga – Sertão!
Ele é o sertão!