Açucena

Açucena

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um encontro com papai em Buenos Aires

Estive em Buenos Aires, em novembro, por uns dez dias. Gostei muito da cidade. Posso dizer que é uma bela metrópole! Visitei todos os lugares óbvios para uma visitante de primeira viagem. Muito me impressionou a politização de sua gente.
Esclareço que a finalidade dessa viagem foi muito mais acadêmica do que turística. Fui apresentar uma comunicação em um congresso de literatura, na UBA. Se não fosse o tal congresso, provavelmente, eu não teria ido até lá.
Quando cheguei à universidade, fiquei pasma com a quantidade de faixas e cartazes com reivindicações, protestos e até alguns apoios políticos - É, o argentino briga pelo que quer e pelo que acredita. Nós somos muito menos do que eles, nesse sentido. A quantidade imensa de faixas e cartazes chegam a causar uma certa poluição visual, tornando o ambiente parecido com um barracão onde se produz esse tipo de material.
De todos os lugares que visitei, Recoleta, Rua Florida, Puerto Madero, Casa Rozada, Café Tortoni, La Boca etc, o lugar que mais amei foi La Boca com sua alegria colorida - Bairro cheio de gente, música, bailarinos de tango, e gaúchos, sapateando com suas bobachas e seus cabelos compridos. Sem contar, os sósias do Maradona que estavam por toda parte. Sim, existe nesse lugar uma alegria vibrante! Talvez, a arquitetura coloridíssima de suas casas contribuam para nos proprcionar essa sensação gostosa de estarmos num circo cheio de magia e cores...
Porém, tem um outro lugar que me despertou uma espécie de lembrança olfativa. O "Casino Puerto Madero". É interessante porque eu tinha amanhecido louca para visitar o porto e, claro, o cassino - Tenho fascinação por portos, não sei porquê. Eu estava adorando o passeio e não via a hora de visitar o cassino. Parecia que meu foco, muito mais do que os museus e o porto, era ele.
Meus companheiros de passeio pareciam não estar muito interessados em visitar o cassino. Tudo corria bem. Visatamos os museus, caminhamos muito a pé. Almoçamos num charmoso restaurante à margem do rio - O Campo de  La Fiore. A região do porto é linda. Como eu afirmei antes, tudo estava bem, se não fosse professor Paulo passar mal. Parece que algo não queria que eu chegasse até o cassino. Puxa, faltava tão pouco. Fiquei desolada! Mas não podíamos largar nosso companheiro num táxi, passando mal, sozinho!
Decidimos que voltaríamos todos juntos para o hotel. Foi o que fizemos. Deixamos professor Paulo lá e voltamos para o porto, muito mais por um querer meu do que dos outros. Finalmente, eu estava diante do cassino - Enorme, imponente diante de mim.
 Entramos no "sempre noite" do ambiente, apesar de ser dia. Ao entrar, um sentimento de familiaridade tomou conta de mim. Eu vi uma menina pequena e frágil, vestida de algodão florido, com os pés no chão e o rostinho angelical, buscando em cada rosto aquele seu tão querido e familiar, o do seu pai. O cheiro de cassino, de casa de jogo é o mesmo em qualquer lugar do mundo. Esse cheiro invadiu minha memória, minha alma e me levou a um passado longínquo - Era eu aquela menina que entrava nas casas de jogos para buscar o seu pai - Era eu que ficava vendo as roletas e as montanhas de fichas ou as mesas de cartiado, cheias de homens fumando, esperando  a partida acabar para levar o meu pai. Eu até podia ouvir as vozes dizendo para o meu pai: Miguel, tira essa menina daqui!
Quantas vezes eu fui atrás do meu pai... Eu tinha um amor imenso por ele. Eu o aceitava com o seu vício, mas eu o queria perto de mim. Tenho esse péssimo defeito de querer todos que eu amo sempre por perto. No entanto, a vida tem sido ingrata comigo, nesse aspecto. Ela cuida de me deixar afastada das pessoas amadas. Eu sempre vivo "a falta", a distância! Mas como eu estava dizendo, foram tantas as vezes que fui buscar meu pai no jogo. Lembro de uma vez que peguei todo o dinheiro que estava sobre a mesa e sai correndo... Meu pai teve que sair atrás de mim para pegar o dinheiro de volta - Eu não queria o dinheiro - Queria meu pai!
Aquele cheiro me levou ao passado. Eu me perdi naquele labirinto de salas, roletas, máquinas caça níqueis... Dentro do cassino ou casa de jogo é sempre escuro. Eu estava perdida e procurava pelo meu velho pai - A sensação era estranha. Senti uma saudade absurda dele! Sua presença era forte alí. Em que parte daquele quebra-cabeça ele estava? As lágrimas molharam meu rosto e se não me encontrassem, provavelmente, eu teria ficado naquela "eterna noite", procurando meu pai!

domingo, 12 de dezembro de 2010

LÍLITCHKA! Em lugar de uma carta

             Fumo de tabaco rói o ar.
             O quarto –
             um capítulo do inferno de Krutchônikh.
             Recorda –
             atrás desta janela
             pela primeira vez
             apertei tuas mãos, atônito.
             Hoje te sentas,
             no coração – aço.
             Um dia mais
             e me expulsarás,
             talvez, com zanga.
             No teu hall escuro longamente o braço,
             trêmulo, se recusa a entrar na manga.
             Sairei correndo,
             lançarei meu corpo à rua .
             Transtornado,
             tornado
             louco pelo desespero.
             Não o consintas,
             meu amor, meu bem,
             digamos até logo agora.
             De qualquer forma
             o meu amor
             – duro fardo por certo –
             pesará sobre ti
             onde quer que te encontres.
             Deixa que o fel da mágoa ressentida
             num último grito estronde.
             Quando um boi está morto de trabalho
             ele se vai
             e se deita na água fria.
             Afora o teu amor
             para mim
             não há mar,
             e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
             Quando o elefante cansado quer repouso
             ele jaz como um rei na areia ardente.
             Afora o teu amor
             para mim
             não há sol,
             e eu não sei onde estás e com quem.
             Se ela assim torturasse um poeta,
             ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
             mas a mim
             nenhum som me importa
             afora o som do teu nome que eu adoro.
             E não me lançarei no abismo,
             e não beberei veneno,
             e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
             Afora
             o teu olhar
             nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
             Amanhã esquecerás
             que eu te pus num pedestal,
             que incendiei de amor uma alma livre,
             e os dias vãos – rodopiante carnaval –
             dispersarão as folhas dos meus livros…
             Acaso as folhas secas destes versos
             far-te-ão parar,
             respiração opressa?

             Deixa-me ao menos
             arrelvar numa última carícia
             teu passo que se apressa.
             (Poema de Maiakóvski  - Tradução de Augusto de Campos)

A POESIA É INIMIGA DA IMPERFEIÇÃO?

A poesia é inimiga da imperfeição - Ou não? Não sei! Sei apenas que, há horas, estou aqui tentando engrenar uns versos e, nada... O calor insuportável e a vizinha da frente grita como uma gralha desesperada! A situação não favorece. Só consigo ficar com os grito ecoando na minha cabeça: "guria idiota!" "E agora vai comer o quê?" "Você não ajuda em nada!" "Vou entregá-la para o seu pai!"
Depois de toda essa gritaria, escuto um barulho de faca sendo amolada. Meu Deus, será que ela vao imolar a menina? Sou exagerada! Acho que ela, a vizinha, vai apenas fazer um outro almoço. Fico curiosa para saber o que aconteceu com o anterior. Será que a menina deixou queimar? Derramou toda a comida? Sei não... A única coisa que sei é que não consegui engendrar um único verso. A irritação tomou conta de mim. Não porque a mulher estivesse berrando com as crianças. Entendo que, às vezes, elas, realmente, podem nos tirar do sério. Ah, se podem... Mas sim pela interferência no silêncio do meu domingo, na magia da minha imaginação e em minha não-concentração - É, pois se eu estivesse bem concentrada nada seria capaz de me tirar do foco.
Dessa forma, esse blog, que passei um tempão tentando criar, já nasce avesso ao seu fim, ou seja, postar meus versos enviesados, atravessados e desorientados como eu mesma sou! A culpa é minha por ser tão desconcentrada, mas não vou eximir a culpa da gralhavizinha, pois ela desestabilizou o meu silêncio - Meu silêncio imaginativo! Ela me pertubou com seu cotidiano doméstico, familiar... Lembrou-me da minha solidão. Eu desisti de inventar versos, nessas circunstâncias, pois poderia surgir um monstro ácido. E eu, hoje, quero um poema alegre, de bem com a vida, apesar de todos os pesares que ela nos dá - Eu resolvi ser feliz, à revelia, de todos os desabores - Minha vocação é colocar um toque doce em todos os amargores.
Se, a maioria da vezes, escrevo ocre-cinza-preto, deixo minha acidez nos versos e alargo o sorriso para não manchar meu derredor de tristeza. Mas hoje, não! Hoje, não aceito sequer um verso triste - Hoje eu quero lembrar que antes de toda a algazarra da vizinha, eu estava pensandp na felicidade que me espreita e está bem próxima - Eu estava programando minha semana FELIZ e queria fazer versos que demonstrassem meu estado de espírito - Quem ama nunca está só! Mas a gralha me pontuou com uma interrogação. Por isso, declaro que, minha poesia não está apta a lidar com a imperfeição porque, mesmo para ficar triste, é preciso estar por inteiro - Na perfeição da tristeza - E eu não fiquei triste por completo - A minha expectativa de felicidade borrou a tristeza momentânea e impossibilitou a poesia, que ela fosse alegre ou triste!
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